Lembro da história daquela garota, eu sentia pena dela, tínhamos algo em comum. Depois de um tempo, ela se tornou uma lenda urbana, algo para tentar assustar os adolescentes. A geração mais nova não acredita no que falam a respeito dela, e os mais velhos, evitam o assunto.
O nome da garota era Maria, um nome simples, para uma história complicada. A família dela morava na zona rural da cidade, eram pessoas pobres, humanos malditos, nascidos na sujeira. Maria nasceu com um problema físico, devido ao modo como ela e seu irmão estavam no ventre da mãe. Só ela sobreviveu, os médicos diziam que algumas cirurgias resolveriam o problema, porém, as coisas se tornaram mais difíceis, não havia dinheiro para as operações. O governo não era do tipo que se preocupava com o povo. Dois anos se passaram, e os pais de Maria decidiram parar de correr atrás dos inúteis governantes que comandavam o país.
Havia um garoto, um marginal, dizia que era normal, e Maria não devia estudar na mesma escola que ele. As provocações começaram na segunda semana de aula. Ninguém o impedia, pois ele era de uma família rica e, caso alguém o contrariasse, não seria convidado para suas festinhas de final de semana. Ele infernizou a garota por meses. Foi o suficiente para acabar com sua paciência. Ela não queria chamar mais atenção na escola, por isso não procurou ajuda, e seu pais, estavam constantemente preocupados tentando sair da miséria. Maria implorou diversas vezes para que não fosse mais incomodada.
A garota pensou muito no que devia fazer, e quais eram suas opções. Decidiu e escolheu a errada. No dia seguinte, ela só tinha uma ideia na cabeça: esfaquear o marginal durante o intervalo entre as aulas, e sair ilesa de tudo isso. O garoto sempre fumava maconha em um banheiro abandonado, ele estava completamente chapado, não viu ela se aproximar, duas facadas seguidas de um grito desnecessário de raiva foram o suficiente. Um funcionário ouviu o grito, Maria já estava no corredor, não pensou duas vezes antes de correr, e perdeu o equilíbrio quando chegou na escadaria. Jason, o garoto esfaqueado, foi levado para o hospital, e sobreviveu. Mas Maria quebrou o pescoço durante a queda.
Dizem que ela ainda não se foi, que ela não descansará enquanto não acabar com todos os praticantes de bullying do mundo. Como todos falam, hoje em dia, essa é só mais uma lenda, mas é claro que algumas pessoas afirmam terem a visto vagando pela escolas, corredores escuros, ou locais públicos. A curva em suas costas é notável.
Meu avô me contou essa história três dias antes de morrer. Ele disse que realmente tudo aconteceu há muito tempo atrás. Sua memória e corpo estavam debilitados, em consequência de seus setenta anos, então não o levei a sério. O que ele quis dizer com isso, foi que alguns malditos nascem para sofrer, e não importa o que façamos, esse é o destino deles.
Mas há algo que ainda me perturba: havia duas cicatrizes em seu peito.
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