sábado, 20 de julho de 2013

A Garota Curvada





Lembro da história daquela garota, eu sentia pena dela, tínhamos algo em comum. Depois de um tempo, ela se tornou uma lenda urbana, algo para tentar assustar os adolescentes. A geração mais nova não acredita no que falam a respeito dela, e os mais velhos, evitam o assunto.

O nome da garota era Maria, um nome simples, para uma história complicada. A família dela morava na zona rural da cidade, eram pessoas pobres, humanos malditos, nascidos na sujeira. Maria nasceu com um problema físico, devido ao modo como ela e seu irmão estavam no ventre da mãe. Só ela sobreviveu, os médicos diziam que algumas cirurgias resolveriam o problema, porém, as coisas se tornaram mais difíceis, não havia dinheiro para as operações. O governo não era do tipo que se preocupava com o povo. Dois anos se passaram, e os pais de Maria decidiram parar de correr atrás dos inúteis governantes que comandavam o país.

Tempos depois, ela já estava acostumada com a curva em sua coluna, não conseguia correr, facilmente perdia o equilíbrio, não praticava esportes, nada além de caminhar. Devido aos seus problemas, Maria só foi matriculada aos  dezesseis anos no colégio da cidade, e deixou a pequena escola onde estudava perto de casa.  Ela estava nervosa, todos estranharam sua chegada. Nunca haviam visto  alguém com tal deformidade, sentiam pena, ficavam observando, e dando forças para que ela continuasse a viver sua vida normalmente. Infelizmente, nem todos os estudantes que agiam assim.

Havia um garoto, um marginal, dizia que era normal, e Maria não devia estudar na mesma escola que ele. As provocações começaram na segunda semana de aula. Ninguém o impedia, pois ele era de uma família rica e, caso alguém o contrariasse, não seria convidado para suas festinhas de final de semana. Ele infernizou a garota por meses. Foi o suficiente para acabar com sua paciência. Ela não queria chamar mais atenção na escola, por isso não procurou ajuda, e seu pais, estavam constantemente preocupados tentando sair da miséria. Maria implorou diversas vezes para que não fosse mais incomodada.

A garota pensou muito no que devia fazer, e quais eram suas opções. Decidiu e escolheu a errada. No dia seguinte, ela só tinha uma ideia na cabeça: esfaquear o marginal durante o intervalo entre as aulas, e sair ilesa de tudo isso. O garoto sempre fumava maconha  em um banheiro abandonado, ele estava completamente chapado, não viu ela se aproximar, duas facadas seguidas de um grito desnecessário de raiva foram o suficiente. Um funcionário ouviu o grito, Maria já estava no corredor, não pensou duas vezes antes de correr, e perdeu o equilíbrio quando chegou na escadaria. Jason, o garoto esfaqueado, foi levado para o hospital, e sobreviveu. Mas Maria quebrou o pescoço durante a queda.

Dizem que ela ainda não se foi, que ela não descansará enquanto não acabar com todos os praticantes de bullying do mundo. Como todos falam, hoje em dia, essa é só mais uma lenda, mas é claro que algumas pessoas afirmam terem a visto vagando pela escolas, corredores escuros, ou locais públicos. A curva em suas costas é notável.
Meu avô me contou essa história três dias antes de morrer. Ele disse que realmente tudo aconteceu há muito tempo atrás. Sua memória e corpo estavam debilitados, em consequência de seus setenta anos, então não o levei a sério. O que ele quis dizer com isso, foi que alguns malditos nascem para sofrer, e não importa o que façamos, esse é o destino deles.

Mas há algo que ainda me perturba: havia duas cicatrizes em seu peito.

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