Não me importei com os
restos de velas queimadas nos cantos dos cômodos, no dia em que o
corretor de imóveis levou-me para ver o apartamento. Achei o aspecto
meio-sombrio – afinal, ele estivera fechado durante muitos anos, e
precisava de reformas. Além disso, eu tinha acabado de vir de um dia
claro de sol para a penumbra úmida de um apartamento fechado. Natural
que sentisse um leve arrepio ao entrar.
O preço estava um pouco
abaixo do mercado, e o corretor explicou-me que o proprietário estava
interessado em vendê-lo logo. Era um apartamento amplo, bem-dividido, e
com a vantagem de estar em um prédio antigo de apenas quatro andares, em
uma rua não central, e por isso, tranquila. Eu sempre tive preferência
por apartamentos em prédios antigos, pois os cômodos eram sempre
maiores, principalmente as cozinhas e banheiros, em comparação aos
cubículos modernos que já tinha visitado. Seria meu primeiro
apartamento, digo, meu mesmo, como proprietária, e não simples
inquilina. Como todo mundo, eu também tinha o sonho da casa própria, e
juntando minhas economias às economias que acabara de herdar de uma tia
distante, poderia, finalmente, realizá-lo.
Ele ficava no último
andar, número 401, o que dava ao proprietário a vantagem de desfrutar de
um pequeno terraço, que media vinte metros quadrados. Ali eu planejava
colocar alguns vasos de plantas, umas cadeiras, quem sabe até uma
pequena piscina plástica no verão. A vista era bonita, dando para a
parte principal da rua asfaltada larga e arborizada, algumas poucas
casas antigas e os outros prédios igualmente baixos. Apaixonei-me pelo
terraço, mais do que havia gostado do apartamento.
As reformas começaram
logo depois de fechado o negócio. George, meu namorado, ajudou-me a
contratar os trabalhadores e comprar o material necessário. Eu mal podia
conter minha alegria, e nós dois saímos para comemorar ao final da
primeira semana dos trabalhos de reforma. Fomos jantar em um restaurante
caro, e bebemos uma garrafa de excelente vinho.
Como eu tinha que
economizar, estava temporariamente morando novamente junto com meus
pais, mas confesso que fiquei um tanto decepcionada com a reação de
mamãe ao visitarmos o apartamento. Enquanto papai, entusiasmado, dava
sugestões para a reforma, ela apenas olhava tudo, caminhando de braços
cruzados atrás de nós, sem nada dizer.
Ao perguntarmos o que
ela estava achando, ela apenas disse: “Eu não sei... não me sinto
tranqüila neste lugar. É como se alguém nos observasse...”
Papai ralhou suavemente
com ela, que não disse mais nada até sairmos. Mas quando chegamos em
casa, eu estava na cozinha, preparando uma xícara de chá, quando ela
entrou, já pronta para deitar-se:
“Olá, filha, vim desejar-lhe uma boa noite.”
Dizendo isso, ela pegou
uma xícara de chá para si mesma e ambas nos sentamos à mesa da cozinha,
bebericando nosso chá com biscoitos. Eu percebi que ela queria dizer
alguma coisa, mas não sabia como começar. Encorajei-a:
“Algum problema, mamãe?”
Ela me olhou, e após tomar um gole de chá, começou:
“Filha, eu sei o quanto
você está feliz com seu novo apartamento, e quero que saiba que pode
contar conosco para o que precisar.”
“Obrigada, mas acho que não é isso que você quer dizer-me, mamãe.”
“Olha, Rose, eu sou sua
mãe, e jamais gostaria de vê-la magoada, mas preciso falar... eu não
gostei daquele apartamento. Ele é... sombrio, triste, e... e...”
Antes que ela continuasse, eu disse:
“Ora, mãe, você nunca
aprova as minhas escolhas! Assim como não aprovou meu trabalho, meu
namorado, é claro que não ia mesmo gostar do apartamento!”
“Querida, você sabe que
mudei de idéia quanto ao George, e sei que ele é um bom rapaz. Acho que
só fiquei um pouco apreensiva por ele ser divorciado. Quanto ao seu
trabalho, você tem formação em Psicologia, e de repente, resolve abrir
uma loja de flores... que não tem nada a ver com seu ramo de trabalho,
mas tudo bem, a loja está dando certo, e eu respeito. Mas... aquele
lugar me dá arrepios!”
Lá em um canto escuro e
distante de minha mente, eu já sabia que ela tinha razão, mas não podia
deixar-me levar por superstições. O aspecto sombrio do apartamento era
devido ao fato de ele estar fechado há muito tempo, e o elevador
barulhento de portas pantográficas também não ajudava, mas após uma
reforma, tudo ficaria perfeito. E foi o que eu disse a ela, embora
percebesse que não a tinha convencido.
Na segunda-feira
seguinte, ao chegar ao apartamento para verificar o andamento das obras,
Paulo, um dos pedreiros, veio falar comigo um tanto contrariado:
“Dona Rose, eu não
entendo! Colocamos todos os azulejos do banheiro na sexta-feira, e
quando chegamos, hoje de manhã, eles estavam todos caídos no chão,
muitos deles, quebrados...”
“Ah, não, Paulo! Custaram uma fortuna, você deveria ter tomado mais cuidado!”
“Mas nós fomos
cuidadoso, Dona Rose! Olha, eu trabalho nisso há mais de trinta anos, e
nunca vi nada assim acontecer. Pode ter sido a umidade, não sei...
choveu muito no sábado. Mas olhe... os azulejos que sobraram nas caixas
vão ser suficientes para substituir os que quebraram. O jeito é fazer
tudo de novo...”
Fiquei enfurecida, e
liguei para George, mas ele me garantiu que Paulo e seus dois auxiliares
eram da maior confiança, e acabou me convencendo a dar a eles uma outra
chance. Naquele mesmo dia, eles recolocaram os azulejos e ficou tudo
bem. Paulo fez questão de não cobrar pelo dia de trabalho.
Depois daquilo, outros
contratempos aconteceram: a parede da sala, pintada de novo, apareceu
com uma enorme mancha marrom-escura, e teve de ser repintada; o cano da
cozinha quebrou-se dentro da parede recém-azulejada, e a água inundou o
apartamento durante a noite; todo o trabalho na cozinha teve que ser
refeito, e apartamento, o corredor e escadas do prédio, tiveram que ser
secos. Além disso, tive que pagar pela repintura do teto do apartamento
do andar inferior, para onde a água vazou.
Os vizinhos reclamavam
do barulho no apartamento à noite, e foi difícil convencê-los de que
ninguém ficava à noite no apartamento, e que as reformas eram todas
feitas durante o dia. Com medo de que fossem ladrões, pedi a Paulo que
passasse uma ou duas noites no apartamento, e os barulhos cessaram.
Além de tudo isso, as
lâmpadas novas queimavam em questão de horas, o que fez Paulo pensar que
toda a fiação elétrica precisava ser trocada. E mesmo após conseguirmos
um eletricista que fez todo o serviço, as lâmpadas queimavam após pouco
tempo de uso. Resultado: as reformas que estavam planejadas para
durarem apenas seis meses, estenderam-se para quase um ano!
Quando, finalmente
conseguimos terminar, meus pais e George ajudaram-me com a mudança em um
final de semana. Após arrumarmos tudo, George perguntou-me se eu queria
que ele ficasse comigo durante a noite, mas eu disse estar cansada, e
preferia tomar um banho e ir cedo para a cama. Assim fiz: após todos
saírem, enchi a banheira antiga com água bem quente, meus sais
perfumados e mergulhei dentro dela até o pescoço, fechando os olhos. Eu
me sentia feliz, tranqüila e realizada.
Alguns minutos depois,
percebi que a luz do banheiro tinha se apagado. Fiquei no escuro, e como
não havia nenhuma luz acesa nos outros cômodos, enrolei-me na toalha e
acendi a luz do corredor, voltando para a banheira em seguida. Mas em
menos de cinco minutos, a luz do corredor também queimou-se.
Contrariada, desisti de
meu banho, e após vestir-me, fui até a área de serviço para pegar novas
lâmpadas. Instalei-as e fui dormir. Tive um sono pesado e sem sonhos,
até as sete da manhã, quando acordei e comecei a vestir-me para o
trabalho.
Como ainda houvesse
algumas caixas para serem esvaziadas, achei minha blusa branca dentro de
uma delas, amarrotada... liguei o ferro de passar para poder alisá-la
antes de vesti-la. Estava calmamente passando a blusa, quando de
repente, o ferro começou a entrar em curto, soltando faíscas; e era um
ferro novo em folha! Puxei-o da tomada, com o coração ainda aos pulos, e
escolhi outra blusa.
Chamei o eletricista
novamente para rever a fiação elétrica naquela semana, mas apesar de
verificar tudo pela segunda vez, ele não encontrou nada errado.
Na sexta-feira, convidei
George para passar a noite comigo. Antes de sair de minha floricultura,
escolhi algumas rosas e flores do campo para enfeitar o apartamento, e
antes que George chegasse, coloquei-as em vasos espalhados pela casa –
sala de estar, mesa de jantar e quarto – e fui escolher uma música,
enquanto a carne assava no forno. Mas o aparelho de som não ligou,
embora eu tentasse repetidamente. O mesmo se deu com a TV: não ligava.
Quando George chegou,
surpreendeu-se, olhando em volta, e pelo seu olhar, percebi que a
surpresa não era nada agradável... acompanhei seu olhar, e notei,
estarrecida, que as flores que eu trouxera e acabara de colocar nos
vasos com água, estavam totalmente secas. Estorricadas, como se tivesse
sido expostas ao sol durante muito tempo!
Ele olhou para mim de uma maneira estranha, e sorriu, dizendo:
“Ora, Rose, como a proprietária de uma loja de flores deixa as flores em sua própria casa ficarem feias desse jeito?”
Não sei bem porque,
decidi que seria melhor não estragar a nossa noite, e fingindo
distração, balancei a cabeça, recolhi as flores e joguei-as no lixo.
Jantamos – ou melhor,
tentamos, pois a carne estava estranhamente seca, o vinho tinha virado
vinagre e o arroz estava com um gosto metálico horroroso que eu não
soube explicar de onde vinha – e fomos para o quarto.
Na manhã seguinte,
George acordou mau-humorado, dizendo que aquela tinha sido a pior noite
de sua vida. Eu também não vinha dormindo muito bem, mas disse nada.
Perguntei-lhe qual tinha sido o problema, e ele me respondeu que tivera
pesadelos horríveis, tão horríveis, que nem gostaria de contar-me a
respeito deles. Enquanto tomávamos o café da manhã, ele pegou sua caneca
e foi sentar-se no sofá, para assistir a um programa matinal sobre
carros do qual gostava muito. Eu ia dizer-lhe que a TV não funcionava,
mas não tive tempo, pois ao ligá-la, a imagem entrou normalmente.
No final da tarde, fomos
até a casa de meus pais visitá-los. Mamãe logo percebeu que George
estava com a aparência cansada, e ele confessou-lhe que não dormira bem.
Mamãe não resistiu:
“Ah, é aquele apartamento... eu não disse, Rose?”
Perdi a paciência, mesmo sabendo que ela podia ter razão:
“Mãe, por favor, não me venha novamente com essa história!”
Papai tentou amenizar a situação, mas George interrompeu-o, dizendo:
“A senhora também notou? Notou que tem alguma coisa estranha naquele apartamento?”
Ela ia responder, mas papai mudou de assunto:
“Esqueça, George, essa
mania que ela tem de espiritismo faz com que ela veja fantasmas atrás de
qualquer pilastra, árvore ou cortina. Minha esposa tem a imaginação
muito fértil!”
Enfurecida, mamãe respondeu:
“Não sou apenas eu a perceber, e George não é espírita! O que você sentiu, filho?”
“Não sei dizer... pouco antes de dormir, tive a sensação de que alguém me observava. E tive pesadelos a noite toda!”
“Exatamente! Eu também tive esta mesma sensação, de que alguém me olhava de algum canto!”
Levantei-me e pegando minha bolsa, disse:
“Mamãe, se vocês não
pararem com isso, eu vou embora! Imaginem só! Investi uma fortuna
naquele apartamento, e toda a herança que tia Janete me deixou! Acham
mesmo que vou dar importância a estas... estas... bobagens que vocês
enfiaram na cabeça?”
“Tudo bem filha, mas...
me desculpe, mas eu não posso mentir para você... mas não vou mais tocar
no assunto hoje, prometo. Sente-se, por favor!”
E assim, terminamos
aquela tarde desconfortável: mamãe pisando em ovos e trocando olhares
significativos com George, papai tentando fingir que nada acontecera e
eu, emburrada.
Quando George deixou-me
em casa, perguntou-me se queria que ele passasse a noite comigo
novamente, mas eu disse que achava melhor que ele fosse para casa
descansar; afinal, dormira muito mal. Ele me chamou para ir com ele, mas
eu disse que não queria ir, pois ainda precisava arrumar algumas
coisas.
Assim que abri a porta e
entrei, o telefone tocou. Atendi, antes mesmo de acender as luzes, mas
do outro lado da linha, apenas escutei uma respiração forte, que me
deixou em pânico. Desliguei, mas o telefone voltou a tocar mal o
coloquei no gancho, e novamente, apenas ouvi a respiração do outro lado
da linha. Desliguei novamente, e ao acender as luzes da sala, mal pude
acreditar no que vi:
Bem no meio da parede, a enorme mancha marrom-escura tinha voltado!
Não pude conter um grito
assustado, o que fez com que o vizinho da frente abrisse a porta e me
perguntasse se estava tudo bem. Era João, um senhor que morava sozinho,
aparentando ter algo em torno de sessenta anos. De vez em quando, a
filha o visitava. Ele abriu a porta e ficou me olhando, e finalmente,
perguntou-me:
“Está tudo bem com você, Rose?”
Ainda ofegante,
perguntei-lhe: “Sr. João... será que eu poderia conversar com o senhor
um minuto?” Fiz um gesto convidando-o a entrar, mas ele abriu a porta de
seu apartamento, dizendo: “Importa-se se conversarmos aqui?”
Entrei, e ele me trouxe um copo de água, enquanto eu me sentava no sofá da sala.
“Sr. João, eu... nem sei como começar, mas... o senhor mora aqui há muito tempo?”
“Bem, quase cinco anos, por que?”
“Nunca notou nada de... estranho no prédio?”
Ele continuou olhando-me, intrigado, antes de responder:
“Você quer dizer... no seu apartamento, o 401?
“Bem, eu... pode ser... quero dizer, quem morava aqui antes de mim?”
“Quando eu me mudei para
cá, o apartamento já estava vazio, mas todos nós escutávamos barulhos
vindos dele durante a noite. Como se alguém estivesse dando pancadas
fortes em uma mesa de madeira. Às vezes, sons de sinos tocando.
Gemidos... achamos que poderiam ser ratos, dedetizamos o prédio várias
vezes, e o zelador abria o apartamento com a chave-mestra para
dedetizá-lo também, mas os ruídos persistiam.”
Terminei meu copo com água, colocando-o na mesinha de centro. Ele continuou, com um meio-sorriso constrangido:
Uma das vizinhas, a Dona
Clara, que era espírita, teve a idéia de fazer um ritual. Bem, eu não
acreditava muito nessas coisas, mas...”
“E o que aconteceu então?”
“Entramos no apartamento
sem a autorização do proprietário. Ela trouxe um grupo de pessoas, oito
ao todo, vestidos de branco. Eles cantaram algumas canções, acenderam
incensos, velas, charutos... alguns pareciam ter incorporado alguma
entidade – lembre-se, eu não sei se acredito nisso- enfim... no final do
ritual, ela despediu-se deles e contou-me que eles tinham visto um
espírito dentro do apartamento, mais precisamente, na cozinha. E não se
tratava de alguma coisa boa... mas que tinham fechado a passagem para
ele, e que os ruídos cessariam.”
“E cessaram?”
“Sim, até você comprar o apartamento e dar início à obra.”
“Mas... então, se isso tudo for verdade, isso significa que de alguma forma, eu reabri este... portal, e o espírito voltou!”
Ele encolheu os ombros.
Ao invés de responder-me, sugeriu que eu fosse passar a noite em outro
lugar, e chegou a oferecer-me o sofá de sua sala. Agradeci, e voltei ao
apartamento. Ou melhor: tentei voltar, pois assim que abri a porta da
sala, fui invadida por uma sensação paralisante de medo. Pavor, mesmo!
Parecia que havia alguma coisa no ar, dentro da casa, algo muito forte e
aterrorizante, impedindo a minha entrada.
Decidi entrar no carro e
passar a noite com George, mas não mencionei nada sobre o que tinha se
passado; apenas menti, dizendo-lhe que havia mudado de ideia e decidido
aceitar seu convite. Eu sabia que ele não tinha acreditado... mas não
insistiu.
Na manhã seguinte,
resolvi não ir trabalhar, e avisei a meus funcionários que passaria o
dia em casa. Eu precisava desvendar aquele mistério, e se o problema era
meu, e havendo algum perigo, achava que tinha que fazê-lo sem envolver
outras pessoas.
Fiquei ali pensando,
tentando tomar uma decisão. Nunca acreditara em almas do outro mundo, e
jamais aceitara os convites de mamãe para participar das reuniões do
centro que ela frequentava. Tinha ‘puxado’ o lado cético de papai. Mas
chegara um momento em minha vida em que tudo o que enxergava, estava
envolvido por uma nuvem de dúvidas. Eu não imaginara nada daquilo – as
flores murchas, as luzes se queimando, os azulejos que caíram durante as
obras, os aparelhos que não funcionavam direito, as manchas na parede –
tudo acontecera realmente. A mancha ainda estava lá! Teria que dar
conta dela. Com este pensamento, voltei à sala e, olhando a horrível
mancha, disse em voz alta: “Vou dar conta de você primeiro!”
Peguei a lata de tinta
na área de serviço, pincel e bandeja. Fiz a mistura e comecei a repintar
a parede. Terminei uma hora depois. O resultado ficou bom. Satisfeita,
eu disse:
“OK! Esta é a minha
casa, e se você quiser ficar aqui, vai ter que entender que quem manda,
sou eu! Comporte-se ou então, dê o fora!”
Naquele exato momento,
vi a mancha voltando a formar-se diante de meus olhos, desta vez, em
vermelho-escarlate, e o toque do telefone quase me fez cair da escada.
Atendi, e novamente, a respiração do outro lado da linha. Berrei:
“Escute aqui, seu... seu... desgraçado! Acha que pode divertir-se às custas dos outros? Quem está aí? Quem está aí?”
Uma voz de mulher fez-se ouvir, entre muita estática: “Você... vai morrer!”
“Ora, vá para o inferno!”
“Você vai morrer! Vai morrer! VAI MORRER!!!”
Puxei o telefone da
tomada, assustada demais para fazer qualquer outra coisa. Dizia a mim
mesma, no meio de todo o terror que tomava conta de minha mente, minha
própria voz tentando passar pelas camadas de medo: “Acalme-se, deve
haver uma explicação para tudo isso... você vai conseguir desvendar
tudo... tudo vai ficar bem!”
Olhei para a parede, e
vi que a mancha tinha se tornado novamente castanho-escura. O telefone
celular tocou, trazendo-me de volta à realidade. Atendi, apreensiva, mas
era mamãe. Nervosa, caí em prantos e contei-lhe tudo.
Ela me encorajava a contar, pedia detalhes. Quando eu já estava no final do relato, ouvi uma gargalhada na linha.
“Mamãe, como você pode rir deste jeito?!”
“Rose, do que está falando? Eu não estou rindo, é claro que não!”
“Está sim,” gritei. Ela
reafirmou que não faria algo assim, enquanto a gargalhada ressoava em
minha cabeça. Joguei o celular contra a parede, espatifando-o. Vinte
minutos depois, mamãe e papai tocavam a campainha. Abri a porta
correndo. Eles me abraçaram. Mamãe falou:
“Rose, você vai para casa conosco. Não pode continuar neste lugar.”
Papai olhava a mancha na
parede, enquanto tentava montar meu celular quebrado. Eu já estava
convencida a ir com eles, mas quando toquei a maçaneta para abrir a
porta para que pudéssemos sair daquele lugar, ela não girou.
A noite caiu de repente.
Tudo ficou escuro e sombrio. Abracei-me a meus pais, enquanto, ao nosso
redor, as coisas dentro do apartamento chacoalhavam, e a mancha na
parede se abria e uma horrível forma não humana desenhava-se aos poucos.
Depois, tudo ficou muito confuso, e pensamos, muitas vezes, que estamos
dentro de um mundo onírico, aonde pesadelos estranhos se intercalam.
Tudo é irreal. E ao mesmo tempo, tão real! Não sinto meu corpo. Mas sei
que estou aqui. Sinto a presença de meus pais, e eles, a minha, mas não
nos vemos. Na maior parte do tempo, não vejo nada, mas quando os
pesadelos chegam, e começo a enxergar, preferiria não ver. É tudo tão
feio, sombrio... estamos presos aqui. Por favor, ajudem-nos!
**************************************************************************
A médium largou a
caneta. Estava ofegante, e suava frio. Teve que ser segurada pelos
participantes da sessão espírita, ao tentar levantar-se. As pessoas
sentadas à mesa soltaram as mãos umas das outras, terminando o ritual.
Um dos participantes aproximou-se da médium que conduzira a sessão, perguntando-lhe em voz baixa:
“E então? Acha que pode ajudá-los?”
Ela suspirou, antes de responder:
“Não sei... bem, pelo
menos, já conhecemos parte da história deste local. Seria preciso ficar
sabendo do que aconteceu antes. Mas infelizmente, o antigo proprietário
desencarnou logo após vender o apartamento à moça, Rose... e ele não
tinha parentes. E depois que os corpos de Rose e seus pais foram
encontrados aqui, a prima que o herdou vendeu o apartamento sem nem
sequer entrar nele.”
Ela parecia muito cansada. Ele perguntou:
“Você está bem?”
“Sim... apenas um pouco
cansada, você sabe... bem, a polícia não encontrou evidências de um
assassinato ou suicídio. A causa mortis para os três foi ataque
cardíaco. Ao mesmo tempo. Parece que todos morreram à mesma hora. Os
vizinhos dizem ter ouvido gritos, e quando o senhor do apartamento em
frente tocou a campainha, e viu que a porta estava entreaberta, achou-os
todos mortos, caídos no tapete da sala.”
“Muito estranho... acho que estamos diante de um dos casos mais estranhos que já estudamos.”
Enquanto os médiuns
discutiam na cozinha, um jovem casal estava sentado no sofá da sala,
ambos muito assustados, olhando fixamente para uma mancha marrom na
parede em frente a eles.
Sem comentários:
Enviar um comentário