O Papai Noel é um ser que todos vocês já estão familiarizados:
veste um terno vermelho e branco, voa com suas renas, leva um saco cheio de
presentes e os entrega a todas as crianças bem comportados. No entanto, você já
parou pra pensou o que acontece com as crianças que não se comportam? Será que
eles apenas recebem um pedaço de carvão sem sentido neste dia de celebração?
Ou será algo muito pior...?
As velas eram assopradas pelo vento, criando uma sensação de
frio e insegurança ao redor da sala. Sombras eram lançadas em direção as mais inúteis
e empoeiradas decorações que já haviam sido usadas em todos os anos anteriores.
Os bonecos enfeitando a lareira eram os menos comuns; cada figura era esculpida
até os mínimos detalhes, fazendo com que elas tivessem uma certa malevolência
em seus olhos.
Não foram os gritos dos bêbados festeiros desfilando pelas
ruas, nem as crianças gritando nas casas ao lado (exigindo a chegada do enorme,
detestável homem de terno vermelho) que despertaram Elizabeth naquela noite.
Foi o barulho vindo da chaminé.
Ela se arrastou lentamente pela escada de madeira,
segurando-se ao corrimão caindo aos pedaços para se apoiar. Não era incomum ela
inclinar apenas um centímetro longe demais do corrimão, consequentemente
escorregando e caindo escada abaixo. Ela andasse estranhamente curvada, dando-lhe
a aparência física de uma senhora corcunda maior de idade. Elizabeth sofre de
uma doença chamada cifose, uma deformidade da coluna vertebral que pode ocorrer
em qualquer idade (embora seja raro no nascimento, que é justamente quando ela
desenvolveu a doença).
Tudo estava estranhamente silencioso quando ela chegou ao
fundo da escadaria; os bêbados provavelmente haviam encontrado outras
vizinhanças para perturbar, as crianças provavelmente tinham perdido as
esperanças e voltado a dormir. Nem mesmo o barulho da correria de ratos pode
ser ouvido abaixo da casa, dentro daquele sótão abandonado. Um sentimento de
pânico invadiu seu corpo. Seu coração batia cada vez mais rápido quando
percebeu outro fato sobre o misterioso silêncio: O barulho na chaminé também havia
parado. Ou aquilo que estava causando o barulho havia ido embora... ou havia
chegado.
Parando exatamente onde estava, a garota de quatorze anos
colocou uma mão pálida sobre suas costas e começou a olhar em volta, sua
lanterna iluminando pateticamente a escuridão avassaladora, consequentemente,
deixando um mistério na extremidade oposta da sala. Caminhando lentamente, ela
procurou pelo prato de biscoitos para acalmá-la. Sentindo-se impotente no meio
da escuridão, ela não desviava seus olhos azuis do canto mais escuro da sala, quando
finalmente se deparou com os pedaços de porcelana rachados do prato que
guardava os biscoitos açucarados. Confusa, começou a tocar no chão em volta dos
pedaços, quando sentiu o que pareciam ser pequenas migalhas espalhadas por lá.
Antes que ela pudesse processar o que poderia ter acontecido com os biscoitos,
sua respiração começou a ficar mais pesada quando sentiu um líquido quente
próximo as migalhas. Relutante, ela finalmente tirou seus olhos da área
suspeita para poder analisar a substância em seus dedos.
Era
vermelha.
O tempo pareceu parar quando ela percebeu que não estava
sozinha na sala. Seus olhos se arregalaram e todos os pensamentos foram empurrados
para o fundo de sua mente, resultando em uma simples, terrível pergunta: Quem
estava no quarto com ela? Segurando a lanterna firmemente, ela deu um passo para
frente; a luz lentamente queimando a escuridão, apesar de não revelar nada,
enquanto o silencio macabro arrepiavam os cabelos da garota e a faziam suar. As
cortinas fechadas apareceram, e ela suspirou quando percebeu a loucura de suas
ações. Talvez a substância vermelha era simplesmente respingos da tinta que seu
irmão havia derramado no carpete na noite anterior. “Você alcançou o ápice de paranoia,
sua idiota!”, ela disse a si mesma, tentando afastar todos aqueles pensamentos
perturbadores de sua cabeça. “Está à beira da loucura. Teria sorte se mamãe não
te encontrasse aqui, se apavorando por causa de uma simples borra de tinta.
Obviamente, foram os ratos que a espalharam por ai”. Esquecendo o ocorrido, ela baixou
a lanterna e começou a se virar, esfregando a parte de trás de seu pescoço e
tranquilizando sua mente.
Em seguida, a mão fria tocou seu ombro.
Ela parou no local. Não se atreveu a se mover. Não se
atreveu a respirar. Seus olhos se arregalaram quando ela confirmou a presença
de outra pessoa na sala, aquela pessoa que estava lhe observando o tempo todo. A
respiração quente em seu ombro faria com que ela estremecesse se não estivesse
paralisada de medo. Apenas alguns segundos se passaram, mas para Elizabeth, parecia
uma eternidade. Esperando. Esperando seu próximo movimento. Esperando o
movimento da outra pessoa. Dominando toda a sua coragem, ela se virou
lentamente sobre os calcanhares, ficando cara a cara com um homem viscoso em um
terno vermelho e peludo.
Ele estava sorrindo de orelha a orelha. Cada um de seus dentes
nojentos e amarelados revelava saliva escorrendo de sua língua para o queixo.
Ele estava com barba por fazer, a barba preta formando uma máscara despenteada
por cima da metade inferior do rosto. Ele era claramente muito mais jovem do
que os Papais-Noéis “originais". Seus olhos eram de uma tonalidade
amarelo-nojento, parecendo idêntica aos seus dentes sujos. Ele estava olhando
diretamente para ela, com um olhar duro e frio que não emitia nenhuma sensação
de calor. Ele não estava sorrindo por causa da expressão aterrorizada da
garota, nem por causa de sua deficiência... Mas sim, pela coisa que ele
segurava em suas mãos.
Ela não conseguia encontrar sua voz. Ela não conseguia
encontrar o grito que procurava tão desesperadamente, o som que muitos faziam
quando se encontravam em uma situação de perigo. Era a única coisa que ela
conseguia pensar que pudesse salvá-la, pudesse afastá-la daquele pesadelo. Ela
deixou a lanterna cair de suas mãos. Ela se sentia cada pedaço de vidro furando
e cortando seu tornozelo, o sangue quente escorrendo em sua perna. Logo, notou
que as chamas rugiam da lareira ao seu lado. Ela não se importava. Ela não
percebeu que o fogo consumia pequenas posses de sua família; tudo o que ela via
era o que estava nas mãos do homem. Ela não conseguia se mover. Não conseguia
falar. O horror a dominava da cabeça aos pés; suas orelhas doíam e sua visão
começou a sumir.
O homem segurava o cadáver ensanguentado de sua mãe.
Seus olhos haviam sido arrancados, deixando dois buracos
rasgados em seu rosto. Ela tinha o olhar misterioso de um zumbi; seu olhar era
morto e sua boca estava constantemente aberta. Seu rosto era uma sujeira sangrenta,
multilados de uma maneira que até mesmo as pessoas mais perturbadas seriam
afetadas. A cabeça estava sangrando, juntamente com vários ferimentos brutais
no peito e no rosto, braços caídos levemente para os lados. Elizabeth fechou os
olhos com força, obrigando-se a não ver aquela cena à sua frente. Ela sussurrou
para si mesma que aquilo não era real, que era somente um pesadelo, embora soubesse
que sua ignorância era a solução oposta. A respiração quente voltou, desta vez ainda
mais próxima. Ele cheirava fortemente a álcool, enquanto as palavras finais
eram sussurradas:
"Papai Noel está de volta!"
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