Havia uma enorme casa de fazenda, até que foi demolida há alguns anos atrás, no
meio de um terreno de três acres em uma cidade do interior de Minas Gerais. Na
época, esse terreno pertencia aos avós da minha esposa, que o compraram na
primavera de 1982 com a intenção de construir uma casa em uma das pontas
norte do terreno, onde tinha a estrada.
A casa foi construída, o terreno foi cercado e o resto do terreno ficou para os cavalos que eles tinham.
Depois de pensarem na idéia de reformar a velha casa de mais de sessenta anos, e transformarem ela em uma casa de hóspedes, eles simplesmente decidiram usá-la como depósito.
No verão de 1997, a minha esposa e eu recebemos um convite dos seus avós para passar alguns dias na sua casa no sítio, então fizemos as nossas malas e partimos de Juiz de Fora para uma viagem de três horas, ansiosos por passar um fim de semana em um lugar calmo, rústico e relaxante.
Só para deixar claro, eu sempre tive uma fascinação pelo paranormal, mas o meu interesse é focado nos aspectos mais mundanos do paranormal: livros e filmes de terror e suspense e os ocasionais documentários de TV.
A minha esposa Larissa, por outro lado, sempre teve um interesse mais sério e ativo no assunto, e como resultado do seu passado de "caça fantasmas", ela tem uma coleção de fotos que ela mesma tirou de espíritos para complementar a sua audioteca de FVE (Fenômeno das Vozes Eletrônicas, ou EVP em inglês).
O fenômeno de fotos de fantasmas --uma coisa que esta por ai desde a invenção da própria câmera fotográfica-- é algo que, para a minha mente prática e racional, pode ser facilmente confundido com a dupla exposição acidental (ou não) do filme, o reflexo da luz, pingos de água nas lentes da câmera, enfim, um monte de coincidências.
Mas o que realmente me chama a atenção, são as gravações que ela (Larissa) tem.
Algumas das anomalias que eu ouvi nas fitas podem facilmente ser algo terreno confundido com algo paranormal, mas ainda há algumas que mesmo uma mente racional tem que admitir que está além da compreensão e de uma explicação plausível.
Enfim, apesar de ter lido e ouvido sobre essas ocorrências, eu nunca tive nenhuma experiência pessoal com o paranormal.
Não até aquele fim de semana que eu e a minha esposa passamos na casa dos avós dela, em 1997.
Nós chegamos na cidadezinha na sexta-feira à noite, e após conversar um pouco e depois de algumas xícaras de café com os avós dela, decidimos ir para o quarto.
Eu estava deitado na cama falando com Larissa, ainda não conseguindo dormir, e é claro que o nosso papo acabou se voltando para a velha casa a apenas uns 50 metros de onde estávamos.
Era a primeira vez que eu ia lá, e estava completamente seduzido tanto quanto pela aparência antiga e a beleza decrépita da velha casa, quanto pelo seu ar de tristeza e melancolia.
Eu falei para a Larissa como ela parecera assustadora sob a luz da lua cheia quando nós chegamos, e como seria o cenário perfeito para uma das histórias de assombração que eu gostava tanto de ler nas noites escuras de inverno.
Eu perguntei como era por dentro, mas ela me falou que não sabia, ela nunca tinha entrado.
Eu achei isso estranho, a minha esposa tinha um apetite voraz por tudo o que parecia assustador.
Era normal ela desbravar cemitérios e outros locais com potencial de assombração à noite armada apenas de uma lanterna, um gravador e uma câmera fotográfica.
A resposta dela foi simples: "O meu avô nunca me deixou entrar. Ele tem medo que o teto desabe em cima de mim".
Com isso, a minha curiosidade foi saciada. Mas no café da manhã, na manhã seguinte, a pequena sementinha de curiosidade que eu tinha plantado na cabeça da Larissa, estava agora viva e crescida, com vontade de ser saciada e ela comentou o assunto com o avô dela.
"É um lugar perigoso, tem morcegos no forro e eu não quero você xeretando lá dentro". Isso era tudo que ele estava disposto a falar sobre a casa, e mudou rapidamente o assunto perguntando se gostaríamos de andar de cavalo depois do café da manhã.
Vocês teriam que conhecer a minha mulher para saber como isso não iria acalmar a curiosidade dela, e como ela pode ser insistente quando quer algo para entender a minha surpresa quando ela simplesmente esqueceu do assunto.
Uma hora depois, indo para o estábulo para um passeio de cavalo pela manhã, ela olhou para mim com um brilho nos olhos e me falou que nós iríamos investigar a casa velha, assim que o avô dela fosse para a cidade para fazer as compras.
Eu recebi isso como alguém que acaba de ser informado que vai ter um dente arrancado, mas eu sabia que não ia adiantar contrariar ela e simplesmente concordei, afinal era melhor do que deixar ela ir sozinha.
A última coisa que eu queria nesse pacífico fim de semana era uma esposa mal humorada ou, pior ainda, uma machucada.
O sol estava bem acima de nós e estava muito quente enquanto nos aproximávamos da porta da casa velha, enquanto os avós dela estavam na cidade. Eu hesitei na soleira da porta, olhando por cima do ombro, para ter certeza de que não ouviríamos nenhum sermão no jantar por termos entrado naquela casa, mas Larissa entrou direto, sem se preocupar com nada.
Eu a segui, tropeçando em uma sela de cavalo que estava abandonada na frente da porta do lado de dentro da casa.
A sala principal da casa estava cheia de velhas caixas de papelão, e uma grande mesa com um monte de selas velhas em cima.
Para a direita, tinha uma entrada que dava para uma sala bem menor (um quarto, eu suponho).
A entrada para esse quarto estava bloqueada por mais caixas.
Mais para frente, à esquerda, tinha uma passagem menor ainda, com um lance de escadas indo, presumidamente, para o forro da casa.
O interior estava bem iluminado por algumas janelas que em algum momento do passado (e por motivos que eu desconheço) foram pintadas, mas agora estavam quase que todas descascadas.
A primeira coisa que eu notei foi como os ocupantes anteriores tamparam os buracos nas paredes com o que parecia ser jornal velho. Vendo mais de perto eu vi estar certo, e as datas nos jornais iam até 1930.
Larissa tendo notado os pedaços de jornal velho amassados nos buracos da parede, estava tentando desamassar um pedaço grande, que estava falando sobre a Revolução Paulista de 1932!
Ela me chamou e nós ficamos maravilhados vendo aquele pedaço de história.
Eu estava sem palavras, vendo o uso de algo assim para tapar buracos, quando ouvimos o barulho acima de nós. Lembrando agora eu gostaria de estar com uma câmera de vídeo naquele momento, para gravar a minha reação.
Eu dei um pulo que parecia que o meu esqueleto ia sair de dentro de mim e sair correndo e abrir um buraco na porta com o meu formato, feito em desenho animado, apesar de eu querer ficar calmo.
Mas os meus pés deram somente um passo para trás, antes de voltarem a me obedecer e ficarem parados ali.
Nós estávamos olhando para cima agora, para a madeira escurecida pelo tempo no teto, eu comecei a murmurar "Você ouviu isso?", quando Larissa me interrompeu com um "shhhh!", e um aceno de mão.
Um silêncio absoluto imperou naquele lugar por uns trinta segundos, até que eu falei de novo num sussurro.
"Pode ser os morcegos de que o seu avô falou, vamos embora". Mas ela não se mexia.
Eu já ia começar a reclamar de ter uma caça fantasma como esposa quando ouvi de novo, dessa vez, mais claro, não acima de nós, mas em direção ao fundo da casa.
Morcegos voam, eu pensei comigo mesmo, eles não andam.
Imediatamente nossas cabeças viraram para a passagem na esquerda, a passagem que tinha a velha escada que levava para o forro.
Eu perguntei para ela se ela achava que podia ser um gato, ou se podiam ser os morcegos finalmente caindo de onde estavam dormindo, por causa da temperatura de quase 40 graus.
Mas o seu silêncio só serviu para me deixar mais apreensivo.
Foi quando veio a terceira batida, chegando a soltar poeira do teto, seguido de um barulho mais baixo, do que parecia ser algo sendo arrastado pelo chão do forro.
Isso foi a gota d'água para mim. Eu segurei firmemente o braço de larissa e falei "Vamos".
Mas eu conheço a minha esposa, e eu já sabia que só isso não iria adiantar.
Ela sussurrou com os seus olhos ainda fixados nos três primeiros degraus da escada que subia para o forro
"Parece que tem alguém lá em cima". Eu não sei quanto às outras pessoas, mas eu não levo numa boa afirmações desse tipo, nessas circunstâncias.
Tudo que tenha qualquer semelhança com as famosas frases dos festivais de terror, "Eles estão vindo para te pegar" ou (eu espero nunca ouvir essa) "Eles estão aqui", me fazem sair correndo feito um condenado.
Mas eu acho que preferiria ter ouvido algo assim ao o que eu estava para ouvir, algo que a minha mente racional ainda tem problemas para lidar, algo que eu não irei esquecer pelos próximos 100 anos.
A voz era suave, macia e baixa, abafada pelas tábuas do teto que nos separava do forro: “Daniel, é você?”.
Num momento nós estávamos na casa abafada e meio escura, no próximo estávamos na forte luz do sol com a brisa nos nossos rostos, enquanto corríamos pela grama de volta para a outra casa.
Foi rápido assim, o que quer que tenha sobrado de corajoso em mim naquele momento, tinha decidido me abandonar depois de ter ouvido aquela voz. Larissa também tinha chegado no seu nível de tolerância.
Um fato importante, é que o meu nome NÃO é Daniel, o avô dela NÃO se chama Daniel, e nenhum de nós conhece alguém chamado Daniel; mesmo sendo um nome bem comum.}
A casa foi construída, o terreno foi cercado e o resto do terreno ficou para os cavalos que eles tinham.
Depois de pensarem na idéia de reformar a velha casa de mais de sessenta anos, e transformarem ela em uma casa de hóspedes, eles simplesmente decidiram usá-la como depósito.
No verão de 1997, a minha esposa e eu recebemos um convite dos seus avós para passar alguns dias na sua casa no sítio, então fizemos as nossas malas e partimos de Juiz de Fora para uma viagem de três horas, ansiosos por passar um fim de semana em um lugar calmo, rústico e relaxante.
Só para deixar claro, eu sempre tive uma fascinação pelo paranormal, mas o meu interesse é focado nos aspectos mais mundanos do paranormal: livros e filmes de terror e suspense e os ocasionais documentários de TV.
A minha esposa Larissa, por outro lado, sempre teve um interesse mais sério e ativo no assunto, e como resultado do seu passado de "caça fantasmas", ela tem uma coleção de fotos que ela mesma tirou de espíritos para complementar a sua audioteca de FVE (Fenômeno das Vozes Eletrônicas, ou EVP em inglês).
O fenômeno de fotos de fantasmas --uma coisa que esta por ai desde a invenção da própria câmera fotográfica-- é algo que, para a minha mente prática e racional, pode ser facilmente confundido com a dupla exposição acidental (ou não) do filme, o reflexo da luz, pingos de água nas lentes da câmera, enfim, um monte de coincidências.
Mas o que realmente me chama a atenção, são as gravações que ela (Larissa) tem.
Algumas das anomalias que eu ouvi nas fitas podem facilmente ser algo terreno confundido com algo paranormal, mas ainda há algumas que mesmo uma mente racional tem que admitir que está além da compreensão e de uma explicação plausível.
Enfim, apesar de ter lido e ouvido sobre essas ocorrências, eu nunca tive nenhuma experiência pessoal com o paranormal.
Não até aquele fim de semana que eu e a minha esposa passamos na casa dos avós dela, em 1997.
Nós chegamos na cidadezinha na sexta-feira à noite, e após conversar um pouco e depois de algumas xícaras de café com os avós dela, decidimos ir para o quarto.
Eu estava deitado na cama falando com Larissa, ainda não conseguindo dormir, e é claro que o nosso papo acabou se voltando para a velha casa a apenas uns 50 metros de onde estávamos.
Era a primeira vez que eu ia lá, e estava completamente seduzido tanto quanto pela aparência antiga e a beleza decrépita da velha casa, quanto pelo seu ar de tristeza e melancolia.
Eu falei para a Larissa como ela parecera assustadora sob a luz da lua cheia quando nós chegamos, e como seria o cenário perfeito para uma das histórias de assombração que eu gostava tanto de ler nas noites escuras de inverno.
Eu perguntei como era por dentro, mas ela me falou que não sabia, ela nunca tinha entrado.
Eu achei isso estranho, a minha esposa tinha um apetite voraz por tudo o que parecia assustador.
Era normal ela desbravar cemitérios e outros locais com potencial de assombração à noite armada apenas de uma lanterna, um gravador e uma câmera fotográfica.
A resposta dela foi simples: "O meu avô nunca me deixou entrar. Ele tem medo que o teto desabe em cima de mim".
Com isso, a minha curiosidade foi saciada. Mas no café da manhã, na manhã seguinte, a pequena sementinha de curiosidade que eu tinha plantado na cabeça da Larissa, estava agora viva e crescida, com vontade de ser saciada e ela comentou o assunto com o avô dela.
"É um lugar perigoso, tem morcegos no forro e eu não quero você xeretando lá dentro". Isso era tudo que ele estava disposto a falar sobre a casa, e mudou rapidamente o assunto perguntando se gostaríamos de andar de cavalo depois do café da manhã.
Vocês teriam que conhecer a minha mulher para saber como isso não iria acalmar a curiosidade dela, e como ela pode ser insistente quando quer algo para entender a minha surpresa quando ela simplesmente esqueceu do assunto.
Uma hora depois, indo para o estábulo para um passeio de cavalo pela manhã, ela olhou para mim com um brilho nos olhos e me falou que nós iríamos investigar a casa velha, assim que o avô dela fosse para a cidade para fazer as compras.
Eu recebi isso como alguém que acaba de ser informado que vai ter um dente arrancado, mas eu sabia que não ia adiantar contrariar ela e simplesmente concordei, afinal era melhor do que deixar ela ir sozinha.
A última coisa que eu queria nesse pacífico fim de semana era uma esposa mal humorada ou, pior ainda, uma machucada.
O sol estava bem acima de nós e estava muito quente enquanto nos aproximávamos da porta da casa velha, enquanto os avós dela estavam na cidade. Eu hesitei na soleira da porta, olhando por cima do ombro, para ter certeza de que não ouviríamos nenhum sermão no jantar por termos entrado naquela casa, mas Larissa entrou direto, sem se preocupar com nada.
Eu a segui, tropeçando em uma sela de cavalo que estava abandonada na frente da porta do lado de dentro da casa.
A sala principal da casa estava cheia de velhas caixas de papelão, e uma grande mesa com um monte de selas velhas em cima.
Para a direita, tinha uma entrada que dava para uma sala bem menor (um quarto, eu suponho).
A entrada para esse quarto estava bloqueada por mais caixas.
Mais para frente, à esquerda, tinha uma passagem menor ainda, com um lance de escadas indo, presumidamente, para o forro da casa.
O interior estava bem iluminado por algumas janelas que em algum momento do passado (e por motivos que eu desconheço) foram pintadas, mas agora estavam quase que todas descascadas.
A primeira coisa que eu notei foi como os ocupantes anteriores tamparam os buracos nas paredes com o que parecia ser jornal velho. Vendo mais de perto eu vi estar certo, e as datas nos jornais iam até 1930.
Larissa tendo notado os pedaços de jornal velho amassados nos buracos da parede, estava tentando desamassar um pedaço grande, que estava falando sobre a Revolução Paulista de 1932!
Ela me chamou e nós ficamos maravilhados vendo aquele pedaço de história.
Eu estava sem palavras, vendo o uso de algo assim para tapar buracos, quando ouvimos o barulho acima de nós. Lembrando agora eu gostaria de estar com uma câmera de vídeo naquele momento, para gravar a minha reação.
Eu dei um pulo que parecia que o meu esqueleto ia sair de dentro de mim e sair correndo e abrir um buraco na porta com o meu formato, feito em desenho animado, apesar de eu querer ficar calmo.
Mas os meus pés deram somente um passo para trás, antes de voltarem a me obedecer e ficarem parados ali.
Nós estávamos olhando para cima agora, para a madeira escurecida pelo tempo no teto, eu comecei a murmurar "Você ouviu isso?", quando Larissa me interrompeu com um "shhhh!", e um aceno de mão.
Um silêncio absoluto imperou naquele lugar por uns trinta segundos, até que eu falei de novo num sussurro.
"Pode ser os morcegos de que o seu avô falou, vamos embora". Mas ela não se mexia.
Eu já ia começar a reclamar de ter uma caça fantasma como esposa quando ouvi de novo, dessa vez, mais claro, não acima de nós, mas em direção ao fundo da casa.
Morcegos voam, eu pensei comigo mesmo, eles não andam.
Imediatamente nossas cabeças viraram para a passagem na esquerda, a passagem que tinha a velha escada que levava para o forro.
Eu perguntei para ela se ela achava que podia ser um gato, ou se podiam ser os morcegos finalmente caindo de onde estavam dormindo, por causa da temperatura de quase 40 graus.
Mas o seu silêncio só serviu para me deixar mais apreensivo.
Foi quando veio a terceira batida, chegando a soltar poeira do teto, seguido de um barulho mais baixo, do que parecia ser algo sendo arrastado pelo chão do forro.
Isso foi a gota d'água para mim. Eu segurei firmemente o braço de larissa e falei "Vamos".
Mas eu conheço a minha esposa, e eu já sabia que só isso não iria adiantar.
Ela sussurrou com os seus olhos ainda fixados nos três primeiros degraus da escada que subia para o forro
"Parece que tem alguém lá em cima". Eu não sei quanto às outras pessoas, mas eu não levo numa boa afirmações desse tipo, nessas circunstâncias.
Tudo que tenha qualquer semelhança com as famosas frases dos festivais de terror, "Eles estão vindo para te pegar" ou (eu espero nunca ouvir essa) "Eles estão aqui", me fazem sair correndo feito um condenado.
Mas eu acho que preferiria ter ouvido algo assim ao o que eu estava para ouvir, algo que a minha mente racional ainda tem problemas para lidar, algo que eu não irei esquecer pelos próximos 100 anos.
A voz era suave, macia e baixa, abafada pelas tábuas do teto que nos separava do forro: “Daniel, é você?”.
Num momento nós estávamos na casa abafada e meio escura, no próximo estávamos na forte luz do sol com a brisa nos nossos rostos, enquanto corríamos pela grama de volta para a outra casa.
Foi rápido assim, o que quer que tenha sobrado de corajoso em mim naquele momento, tinha decidido me abandonar depois de ter ouvido aquela voz. Larissa também tinha chegado no seu nível de tolerância.
Um fato importante, é que o meu nome NÃO é Daniel, o avô dela NÃO se chama Daniel, e nenhum de nós conhece alguém chamado Daniel; mesmo sendo um nome bem comum.}
Uma coisa estranha, é que você acha que depois que esta fora de perigo, se é que
estávamos em perigo, assim que a adrenalina abaixa e a segurança do mundo real a
nossa volta se abate sobre nós, a primeira coisa que você faria seria sentar em
algum canto e falar sobre o que acabou de acontecer, ou o que você acha que
acabou de acontecer, mas não.
Nós não falamos nada, nem uma palavra, como se nada tivesse acontecido o dia inteiro.
Só de noite, na cama, sem poder dormir é que falamos sobre o assunto de novo.
Ela falou sobre o assunto como se estivesse caminhando em ovos, achando que eu falaria para ela esquecer e não falar mais sobre isso, mas eu acho que depois de ter saído da situação eu consegui lidar com ela mais facilidade.
Eu falei para a Larissa o que eu achei ter ouvido e depois arranjei um monte de explicações plausíveis para o que podia ter sido - indo desde as nossas obturações terem captado uma estação de rádio próxima, até uma antiga vitrola que podia estar guardada e depois de cinqüenta anos ter caído e ligado, tocando uma música que nós confundimos com uma voz fantasmagórica vinda do além.
Era muito mais fácil acreditar nisso do que achar que podia ser um fantasma, mas a explicação a que Larissa chegou ali, enquanto estávamos deitados na cama, foi mais assustadora do que qualquer outra.
"Talvez tem alguém morando lá e o meu avô não sabe" ela falou com um olhar preocupado.
A idéia me deu arrepios na espinha, com imagens de fugitivos de algum hospício ou prisão, se arrastando na propriedade de alguém na calada da noite.
Isso me assustou a ponto de eu levantar da cama, ir para a janela e olhar a velha casa sob a luz da lua, realmente pensando em ir lá com um pedaço de madeira ou chamar a polícia para dar uma olhada.
Mas nós poderíamos estar enganados com o que ouvimos, poderia haver alguma outra explicação, e a última coisa que eu queria (além de admitir para o avô dela que não obedecemos às ordens dele) era chamar a polícia para investigar algo que a imaginação fértil de um jovem casal tinha criado.
Então, nós decidimos que ao amanhecer, nós iríamos investigar a casa de novo.
Desta vez quando nos aproximamos da casa - sem ter falado das nossas preocupações para os avós dela, podendo causar preocupação desnecessária - eu estava armado com uma pá que eu achei no chão e Larissa, não totalmente convencida de que os sons tenham vindo de alguma fonte terrena, estava com uma lanterna e um mini-gravador que ela raramente saia de casa sem ele.
A nossa segunda entrada foi bem mais ordenada do que antes, e a idéia de que alguém poderia tomar residência naquele lugar foi rapidamente por água abaixo depois de uma segunda olhada no estado da velha casa, e vendo que qualquer um que tentasse subir pelo lance de escada para o forro provavelmente quebraria a madeira podre e cairia no chão, quebrando uma perna ou até pior.
Nós ficamos quietos ouvindo em silêncio pelo que parecia ser uma eternidade.
Depois de alguns minutos lá parados não ouvimos nada. Somente o estalo ocasional da antiga madeira se expandindo no sol.
Nós decidimos que já tínhamos ido longe demais para simplesmente ir embora sem dar uma boa olhada lá em cima, então começamos a pensar em um jeito de subir.
Eu tinha visto um pedaço de madeira razoavelmente novo de quase dois metros de comprimento com uns quarenta centímetros de largura e uns dez centímetros de grossura, jogado no quintal enquanto íamos para a casa, então tive a idéia de ir pegá-lo e colocá-lo deitado na escada, para podermos usar ele como apoio.
A primeira tentativa de Larissa de subir fez com que a velha estrutura gemesse, o que me fez pedir para ela me deixar reforçar a rampa com alguns tijolos que eu tinha visto lá fora também (nós estávamos fazendo isso tudo o mais silenciosamente possível, pois sabíamos que se fossemos pegos pelos avós dela xeretando na casa como crianças, iríamos ganhar um baita de um sermão).
Finalmente, depois de cerca de meia hora, nós tínhamos construído a nossa rampa, e depois de mais cinco minutos discutindo quem deveria subir primeiro, eu estava ajoelhado na madeira subindo aos poucos com a pá na minha mão pronta para qualquer coisa.
Larissa insistiu que devia ser a primeira, mas ficou quieta depois que eu falei que se tivesse algum louco morando no forro, a pessoa armada para se defender deveria ir primeiro para verificar.
Ela finalmente consentiu - resmungando, pois eu casei com uma mulher com a coragem de dois homens - e eu comecei a subir.
Há essa hora o sol já estava bem forte e estava entrando pelos pequenos buracos do telhado, o que iluminava o suficiente o forro para eu poder ver tudo à minha frente.
Enquanto eu avaliava se o chão velho de madeira sustentaria o meu peso eu olhava em volta examinando a área.
Foi estranho como o medo que se abateu sobre mim no dia anterior tinha ido totalmente embora, dando lugar a algo mais forte, vindo provavelmente do instinto de lutar ao invés de fugir, ou o instinto de proteger a minha fêmea do que quer que estivesse ali.
Pensando agora naquilo, eu realmente não sei o que estava esperando ver ali no forro, mas o que quer que fosse, de carne e ossos ou outra coisa, não estava mais lá, não havia nada, somente os restos de algumas coisas gastas pelo tempo, o que levava a pensar que aquilo foi o depósito dos antigos moradores.
Uma cabeceira de uma cama, um colchão velho e mofado encostado em uma parede, alguns engradados de madeira vazios, e uma velha cadeira de balanço caindo aos pedaços largada no outro canto do forro, virada para a parede.
Eu fiquei lá olhando para a cadeira até que a voz de Larissa, vindo de trás de mim, me acordou daquele transe.
"Pode esquecer a sua teoria da vitrola". Eu virei e vi que enquanto eu analisava o ambiente, ela tinha subido.
Ela estava com a lanterna acesa e verificando cada centímetro do forro diante de nós.
Não achamos nada. "E esquece a nossa teoria de algum estranho morando por aqui" eu falei, notando a crosta de poeira com quase dois centímetros de altura que cobria toda a área visível.
Se alguém já esteve naquele forro, faz muito tempo que já foi embora.
Eu não sei quanto tempo ficamos lá parados olhando em volta, mas foi o suficiente para me decidir de que ali nunca teve nenhum fugitivo de nenhum lugar procurando abrigo, ou nem mesmo morcegos.
Enquanto virávamos para ir embora, Larissa parou e tirou uma fita cassete em branco do bolso e colocou no gravador.
Eu falei "Pode esquecer, nós estamos indo embora agora".
Mas ela falou que ia deixar o gravador ali gravando.
Ela colocou no chão do forro, bem do lado da entrada. "Só para matar a minha curiosidade" ela falou. Então saímos.
Nós nem chegamos a falar nada do que fizemos durante o dia, ou o dia anterior, para os avós de Larissa durante o jantar daquela noite.
Nós já tínhamos nos arrumados para voltar para o trabalho na manhã seguinte, e estávamos a fim de desfrutar o resto da estadia, então resolvemos não incomodar os avós de Larissa perguntando sobre os outros moradores, história da propriedade, ou a possibilidade de haver espíritos que ficam vagando por ai depois da morte.
De acordo com Larissa, assuntos como esses não agradavam muito o avô dela, que, segundo ela, pensava mais racionalmente do que eu.
Nós vimos que para pegar o gravador que Larissa tinha deixado para trás, não só teríamos de usar a nossa rampa precária de novo, mas como teríamos de fazer isso bem cedo de manhã para os avós dela não nos pegarem lá dentro da casa. Nós decidimos que desmontaríamos a rampa para não deixar provas da nossa excursão ao interior da casa, então resolvemos que iríamos acordar lá pelas cinco horas da manhã e sair escondidos para a velha casa mais uma última vez.
De manhã bem cedo, quando nós entramos lá de novo no total escuro, só enxergando o que a lanterna da Larissa conseguisse iluminar, tudo estava como deixamos. Nenhuma evidência de atividade paranormal, nenhuma caixa jogada violentamente pelos cantos, nenhuma pegada na poeira a não ser as nossas.
Eu cuidadosamente, mas rapidamente, engatinhei rampa acima, estiquei a minha mão pelo alçapão do forro totalmente escuro e achei o gravador exatamente onde Larissa o tinha deixado no dia anterior.
Silenciosamente, nós tiramos os tijolos e os colocamos arrumados na parede perto da porta de entrada, depois tiramos a tábua e a colocamos encostada na parede.
Eu estava batendo na calça para tirar o pó quando aconteceu de novo.
O mesmo barulho que tínhamos ouvido dois dias antes. A minha primeira impressão era que Larissa já tinha ouvido alguma coisa lá em cima, pois quando eu olhei para ela, ela já estava com o olhar fixo na entrada do forro, bem acima de nós.
Eu olhei na mesma direção que ela, mas não dava para ver nada na escuridão total alem da entrada do forro.
Dessa vez foi Larissa que falou primeiro, e ela me perguntou se eu tinha ouvido aquilo também, mas ela ficou quieta após uma segunda batida, dessa vez mais forte que a primeira, quase que de uma forma violenta, tanto que derrubou um punhado grande de pó do teto.
O horrível som abafado de algo sendo arrastado, que me arrepiou os pêlos do corpo todo, veio logo em seguida, e a imagem que me veio à cabeça era a de alguém, ou alguma coisa, se arrastando pelo chão lá em cima, quase sobre as nossas cabeças, se aproximando da entrada do forro.
Dessa vez não houve resistência nenhuma em sair correndo daquele lugar de uma vez por todas.
Quase que imediatamente nós disparamos, tropeçando na escuridão, e em menos de cinco segundos passamos pela porta de entrada e estávamos no fresco ar matinal.
Mas no fundo da nossa memória, instantes viram uma eternidade e impressões podem virar uma forte lembrança que pode durar a vida toda, pois enquanto passávamos pela porta da velha casa pela última vez, nós ouvimos a voz de novo, dessa vez mais perto, vinda do topo da escada onde estávamos a apenas alguns segundos, dessa vez mais clara, áspera, mais sombria, nos chamando. E as exatas palavras dessa vez foram "Daniel... Eu vi você!”.
No tempo que levou para correr a metade da distancia entre a velha casa e a casa dos avós de Larissa, uns 50 metros, eu consegui me controlar e diminui o meu passo para um andar rápido, às vezes olhando sobre o meu ombro para a casa, para me assegurar de que tudo estava bem, de que tudo estava calmo, e não havia nada nos seguindo.
Larissa tinha parado a uns quinze metros da porta da cozinha, e estava examinando o gravador mais de perto.
"Estava desligado!" ela falou, "Parou na metade da fita, como se alguém tivesse desligado ele de propósito!".
Eu tentei convencê-la de que talvez as pilhas tinham acabado, mas ela simplesmente apertou o botão de rebobinar e o gravador voltou à vida.
Demorou apenas alguns segundos para a fita voltar toda, e quando ela estava para apertar PLAY, a porta da cozinha abriu e a avó dela estava de pé ali, de roupão.
"O que vocês dois estão fazendo acordados tão cedo?", ela perguntou.
"Só estávamos nos despedindo dos cavalos", Larissa respondeu calmamente, e logo estávamos dentro da casa de novo, tomando o café da manhã.
Logo que acabamos o café da manhã, colocamos as nossas malas no carro, nos despedimos e pegamos a estrada, o tempo inteiro observando a velha casa. Quando pegamos a estrada principal Larissa tirou o pequeno gravador do bolso e tocou a fita.
Eu achava que não ia ter nada nela, mas assim que nós andamos por cerca de uns três quilômetros, eu parei o carro no acostamento e desliguei o motor, para poder ouvir melhor a gravação.
O primeiro som que tinha na fita eram as próprias palavras de Larissa ("Só para matar a minha curiosidade"), então o som da madeira estalando e o som dos nossos passos enquanto saíamos da casa.
Cinco minutos com a fita rodando e nada. Apenas silêncio, eventualmente interrompido pelo som da casa expandindo e contraindo sob sol. Mais cinco ou seis minutos, e o som de um caminhão passando pela estrada perto da casa, então mais silêncio. Quando a fita estava para chegar no ponto onde o gravador tinha sido desligado, eu ouvi algo.
A primeira impressão que eu tive foi a de que parecia alguém respirando devagar e pesado.
Eu estava abrindo a minha boca para falar para Larissa parar a fita, voltar e tocar de novo que eu tinha ouvido algo, quando percebi que o som estava ficando mais alto. Pela cara que a Larissa estava fazendo, deu para notar que eu não estava ouvindo coisas.
Ela também estava ouvindo. O que veio depois fez a minha espinha gelar.
A respiração estava ficando mais alta, e apesar de não dar para ouvir o som de nada se movendo, deu a impressão de que algo estava chegando perto do microfone.
Eu fiquei completamente assustado com o fato de que aquele mesmo gravador que Larissa segurava com as suas mãos tremula agora estava tão próximo, ou poderia ter até sido tocado, pelo que quer que fosse que estava fazendo aquele barulho.
A respiração sumiu de repente e se seguiram 10 segundos de silêncio (não apareceu nem o som da madeira estalando e nem de nenhum carro na distância). Então o canto começou.
Era claramente a voz de uma mulher velha, provavelmente com uns 80 anos ou mais.
Apesar de eu não conseguir entender as palavras, dava para perceber que era uma canção.
Uma canção de ninar, talvez. Até hoje eu não sei, apesar de ter ouvido a fita uma centena de vezes desde então e ter amplificado o som de varias maneiras.
É uma melodia que nem eu e nem Larissa conhecemos, nem ninguém que tenha ouvido a gravação, mas por causa da sua natureza duvidosa, se tornou um tópico interessante para uma conversa entre amigos que gostam do assunto.
Mas não é aquela respiração horrível, ou a canção que aos poucos ia aumentando, sendo entoada por vozes misteriosas, que até hoje, anos depois da experiência, anos depois da velha casa ter finalmente sido demolida, anos depois dos avós da Larissa terem vendido a propriedade e mudado, me assombram no escuro quando estou na cama prestes a dormir.
São os últimos segundos da gravação que sempre serão lembrados por mim, onde quer que eu vá.
E para mim vão sempre servir de prova que por mais que a gente tente explicar e racionalizar o contrário, sempre haverá coisas nessa vida que estão além da fronteira da explicação racional.
A voz que estava cantando parou de repente, como se tivesse se tocado de algo, e foi substituída por uma gargalhada seca, distorcida, uma coisa insana, enquanto um dedo invisível raspava pelo microfone e alcançava o botão apertando STOP.
Nós não falamos nada, nem uma palavra, como se nada tivesse acontecido o dia inteiro.
Só de noite, na cama, sem poder dormir é que falamos sobre o assunto de novo.
Ela falou sobre o assunto como se estivesse caminhando em ovos, achando que eu falaria para ela esquecer e não falar mais sobre isso, mas eu acho que depois de ter saído da situação eu consegui lidar com ela mais facilidade.
Eu falei para a Larissa o que eu achei ter ouvido e depois arranjei um monte de explicações plausíveis para o que podia ter sido - indo desde as nossas obturações terem captado uma estação de rádio próxima, até uma antiga vitrola que podia estar guardada e depois de cinqüenta anos ter caído e ligado, tocando uma música que nós confundimos com uma voz fantasmagórica vinda do além.
Era muito mais fácil acreditar nisso do que achar que podia ser um fantasma, mas a explicação a que Larissa chegou ali, enquanto estávamos deitados na cama, foi mais assustadora do que qualquer outra.
"Talvez tem alguém morando lá e o meu avô não sabe" ela falou com um olhar preocupado.
A idéia me deu arrepios na espinha, com imagens de fugitivos de algum hospício ou prisão, se arrastando na propriedade de alguém na calada da noite.
Isso me assustou a ponto de eu levantar da cama, ir para a janela e olhar a velha casa sob a luz da lua, realmente pensando em ir lá com um pedaço de madeira ou chamar a polícia para dar uma olhada.
Mas nós poderíamos estar enganados com o que ouvimos, poderia haver alguma outra explicação, e a última coisa que eu queria (além de admitir para o avô dela que não obedecemos às ordens dele) era chamar a polícia para investigar algo que a imaginação fértil de um jovem casal tinha criado.
Então, nós decidimos que ao amanhecer, nós iríamos investigar a casa de novo.
Desta vez quando nos aproximamos da casa - sem ter falado das nossas preocupações para os avós dela, podendo causar preocupação desnecessária - eu estava armado com uma pá que eu achei no chão e Larissa, não totalmente convencida de que os sons tenham vindo de alguma fonte terrena, estava com uma lanterna e um mini-gravador que ela raramente saia de casa sem ele.
A nossa segunda entrada foi bem mais ordenada do que antes, e a idéia de que alguém poderia tomar residência naquele lugar foi rapidamente por água abaixo depois de uma segunda olhada no estado da velha casa, e vendo que qualquer um que tentasse subir pelo lance de escada para o forro provavelmente quebraria a madeira podre e cairia no chão, quebrando uma perna ou até pior.
Nós ficamos quietos ouvindo em silêncio pelo que parecia ser uma eternidade.
Depois de alguns minutos lá parados não ouvimos nada. Somente o estalo ocasional da antiga madeira se expandindo no sol.
Nós decidimos que já tínhamos ido longe demais para simplesmente ir embora sem dar uma boa olhada lá em cima, então começamos a pensar em um jeito de subir.
Eu tinha visto um pedaço de madeira razoavelmente novo de quase dois metros de comprimento com uns quarenta centímetros de largura e uns dez centímetros de grossura, jogado no quintal enquanto íamos para a casa, então tive a idéia de ir pegá-lo e colocá-lo deitado na escada, para podermos usar ele como apoio.
A primeira tentativa de Larissa de subir fez com que a velha estrutura gemesse, o que me fez pedir para ela me deixar reforçar a rampa com alguns tijolos que eu tinha visto lá fora também (nós estávamos fazendo isso tudo o mais silenciosamente possível, pois sabíamos que se fossemos pegos pelos avós dela xeretando na casa como crianças, iríamos ganhar um baita de um sermão).
Finalmente, depois de cerca de meia hora, nós tínhamos construído a nossa rampa, e depois de mais cinco minutos discutindo quem deveria subir primeiro, eu estava ajoelhado na madeira subindo aos poucos com a pá na minha mão pronta para qualquer coisa.
Larissa insistiu que devia ser a primeira, mas ficou quieta depois que eu falei que se tivesse algum louco morando no forro, a pessoa armada para se defender deveria ir primeiro para verificar.
Ela finalmente consentiu - resmungando, pois eu casei com uma mulher com a coragem de dois homens - e eu comecei a subir.
Há essa hora o sol já estava bem forte e estava entrando pelos pequenos buracos do telhado, o que iluminava o suficiente o forro para eu poder ver tudo à minha frente.
Enquanto eu avaliava se o chão velho de madeira sustentaria o meu peso eu olhava em volta examinando a área.
Foi estranho como o medo que se abateu sobre mim no dia anterior tinha ido totalmente embora, dando lugar a algo mais forte, vindo provavelmente do instinto de lutar ao invés de fugir, ou o instinto de proteger a minha fêmea do que quer que estivesse ali.
Pensando agora naquilo, eu realmente não sei o que estava esperando ver ali no forro, mas o que quer que fosse, de carne e ossos ou outra coisa, não estava mais lá, não havia nada, somente os restos de algumas coisas gastas pelo tempo, o que levava a pensar que aquilo foi o depósito dos antigos moradores.
Uma cabeceira de uma cama, um colchão velho e mofado encostado em uma parede, alguns engradados de madeira vazios, e uma velha cadeira de balanço caindo aos pedaços largada no outro canto do forro, virada para a parede.
Eu fiquei lá olhando para a cadeira até que a voz de Larissa, vindo de trás de mim, me acordou daquele transe.
"Pode esquecer a sua teoria da vitrola". Eu virei e vi que enquanto eu analisava o ambiente, ela tinha subido.
Ela estava com a lanterna acesa e verificando cada centímetro do forro diante de nós.
Não achamos nada. "E esquece a nossa teoria de algum estranho morando por aqui" eu falei, notando a crosta de poeira com quase dois centímetros de altura que cobria toda a área visível.
Se alguém já esteve naquele forro, faz muito tempo que já foi embora.
Eu não sei quanto tempo ficamos lá parados olhando em volta, mas foi o suficiente para me decidir de que ali nunca teve nenhum fugitivo de nenhum lugar procurando abrigo, ou nem mesmo morcegos.
Enquanto virávamos para ir embora, Larissa parou e tirou uma fita cassete em branco do bolso e colocou no gravador.
Eu falei "Pode esquecer, nós estamos indo embora agora".
Mas ela falou que ia deixar o gravador ali gravando.
Ela colocou no chão do forro, bem do lado da entrada. "Só para matar a minha curiosidade" ela falou. Então saímos.
Nós nem chegamos a falar nada do que fizemos durante o dia, ou o dia anterior, para os avós de Larissa durante o jantar daquela noite.
Nós já tínhamos nos arrumados para voltar para o trabalho na manhã seguinte, e estávamos a fim de desfrutar o resto da estadia, então resolvemos não incomodar os avós de Larissa perguntando sobre os outros moradores, história da propriedade, ou a possibilidade de haver espíritos que ficam vagando por ai depois da morte.
De acordo com Larissa, assuntos como esses não agradavam muito o avô dela, que, segundo ela, pensava mais racionalmente do que eu.
Nós vimos que para pegar o gravador que Larissa tinha deixado para trás, não só teríamos de usar a nossa rampa precária de novo, mas como teríamos de fazer isso bem cedo de manhã para os avós dela não nos pegarem lá dentro da casa. Nós decidimos que desmontaríamos a rampa para não deixar provas da nossa excursão ao interior da casa, então resolvemos que iríamos acordar lá pelas cinco horas da manhã e sair escondidos para a velha casa mais uma última vez.
De manhã bem cedo, quando nós entramos lá de novo no total escuro, só enxergando o que a lanterna da Larissa conseguisse iluminar, tudo estava como deixamos. Nenhuma evidência de atividade paranormal, nenhuma caixa jogada violentamente pelos cantos, nenhuma pegada na poeira a não ser as nossas.
Eu cuidadosamente, mas rapidamente, engatinhei rampa acima, estiquei a minha mão pelo alçapão do forro totalmente escuro e achei o gravador exatamente onde Larissa o tinha deixado no dia anterior.
Silenciosamente, nós tiramos os tijolos e os colocamos arrumados na parede perto da porta de entrada, depois tiramos a tábua e a colocamos encostada na parede.
Eu estava batendo na calça para tirar o pó quando aconteceu de novo.
O mesmo barulho que tínhamos ouvido dois dias antes. A minha primeira impressão era que Larissa já tinha ouvido alguma coisa lá em cima, pois quando eu olhei para ela, ela já estava com o olhar fixo na entrada do forro, bem acima de nós.
Eu olhei na mesma direção que ela, mas não dava para ver nada na escuridão total alem da entrada do forro.
Dessa vez foi Larissa que falou primeiro, e ela me perguntou se eu tinha ouvido aquilo também, mas ela ficou quieta após uma segunda batida, dessa vez mais forte que a primeira, quase que de uma forma violenta, tanto que derrubou um punhado grande de pó do teto.
O horrível som abafado de algo sendo arrastado, que me arrepiou os pêlos do corpo todo, veio logo em seguida, e a imagem que me veio à cabeça era a de alguém, ou alguma coisa, se arrastando pelo chão lá em cima, quase sobre as nossas cabeças, se aproximando da entrada do forro.
Dessa vez não houve resistência nenhuma em sair correndo daquele lugar de uma vez por todas.
Quase que imediatamente nós disparamos, tropeçando na escuridão, e em menos de cinco segundos passamos pela porta de entrada e estávamos no fresco ar matinal.
Mas no fundo da nossa memória, instantes viram uma eternidade e impressões podem virar uma forte lembrança que pode durar a vida toda, pois enquanto passávamos pela porta da velha casa pela última vez, nós ouvimos a voz de novo, dessa vez mais perto, vinda do topo da escada onde estávamos a apenas alguns segundos, dessa vez mais clara, áspera, mais sombria, nos chamando. E as exatas palavras dessa vez foram "Daniel... Eu vi você!”.
No tempo que levou para correr a metade da distancia entre a velha casa e a casa dos avós de Larissa, uns 50 metros, eu consegui me controlar e diminui o meu passo para um andar rápido, às vezes olhando sobre o meu ombro para a casa, para me assegurar de que tudo estava bem, de que tudo estava calmo, e não havia nada nos seguindo.
Larissa tinha parado a uns quinze metros da porta da cozinha, e estava examinando o gravador mais de perto.
"Estava desligado!" ela falou, "Parou na metade da fita, como se alguém tivesse desligado ele de propósito!".
Eu tentei convencê-la de que talvez as pilhas tinham acabado, mas ela simplesmente apertou o botão de rebobinar e o gravador voltou à vida.
Demorou apenas alguns segundos para a fita voltar toda, e quando ela estava para apertar PLAY, a porta da cozinha abriu e a avó dela estava de pé ali, de roupão.
"O que vocês dois estão fazendo acordados tão cedo?", ela perguntou.
"Só estávamos nos despedindo dos cavalos", Larissa respondeu calmamente, e logo estávamos dentro da casa de novo, tomando o café da manhã.
Logo que acabamos o café da manhã, colocamos as nossas malas no carro, nos despedimos e pegamos a estrada, o tempo inteiro observando a velha casa. Quando pegamos a estrada principal Larissa tirou o pequeno gravador do bolso e tocou a fita.
Eu achava que não ia ter nada nela, mas assim que nós andamos por cerca de uns três quilômetros, eu parei o carro no acostamento e desliguei o motor, para poder ouvir melhor a gravação.
O primeiro som que tinha na fita eram as próprias palavras de Larissa ("Só para matar a minha curiosidade"), então o som da madeira estalando e o som dos nossos passos enquanto saíamos da casa.
Cinco minutos com a fita rodando e nada. Apenas silêncio, eventualmente interrompido pelo som da casa expandindo e contraindo sob sol. Mais cinco ou seis minutos, e o som de um caminhão passando pela estrada perto da casa, então mais silêncio. Quando a fita estava para chegar no ponto onde o gravador tinha sido desligado, eu ouvi algo.
A primeira impressão que eu tive foi a de que parecia alguém respirando devagar e pesado.
Eu estava abrindo a minha boca para falar para Larissa parar a fita, voltar e tocar de novo que eu tinha ouvido algo, quando percebi que o som estava ficando mais alto. Pela cara que a Larissa estava fazendo, deu para notar que eu não estava ouvindo coisas.
Ela também estava ouvindo. O que veio depois fez a minha espinha gelar.
A respiração estava ficando mais alta, e apesar de não dar para ouvir o som de nada se movendo, deu a impressão de que algo estava chegando perto do microfone.
Eu fiquei completamente assustado com o fato de que aquele mesmo gravador que Larissa segurava com as suas mãos tremula agora estava tão próximo, ou poderia ter até sido tocado, pelo que quer que fosse que estava fazendo aquele barulho.
A respiração sumiu de repente e se seguiram 10 segundos de silêncio (não apareceu nem o som da madeira estalando e nem de nenhum carro na distância). Então o canto começou.
Era claramente a voz de uma mulher velha, provavelmente com uns 80 anos ou mais.
Apesar de eu não conseguir entender as palavras, dava para perceber que era uma canção.
Uma canção de ninar, talvez. Até hoje eu não sei, apesar de ter ouvido a fita uma centena de vezes desde então e ter amplificado o som de varias maneiras.
É uma melodia que nem eu e nem Larissa conhecemos, nem ninguém que tenha ouvido a gravação, mas por causa da sua natureza duvidosa, se tornou um tópico interessante para uma conversa entre amigos que gostam do assunto.
Mas não é aquela respiração horrível, ou a canção que aos poucos ia aumentando, sendo entoada por vozes misteriosas, que até hoje, anos depois da experiência, anos depois da velha casa ter finalmente sido demolida, anos depois dos avós da Larissa terem vendido a propriedade e mudado, me assombram no escuro quando estou na cama prestes a dormir.
São os últimos segundos da gravação que sempre serão lembrados por mim, onde quer que eu vá.
E para mim vão sempre servir de prova que por mais que a gente tente explicar e racionalizar o contrário, sempre haverá coisas nessa vida que estão além da fronteira da explicação racional.
A voz que estava cantando parou de repente, como se tivesse se tocado de algo, e foi substituída por uma gargalhada seca, distorcida, uma coisa insana, enquanto um dedo invisível raspava pelo microfone e alcançava o botão apertando STOP.
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