Mavutsin - o primeiro homem
O
primeiro homem (kamaiurá). No começo só havia Mavutsinim. Ninguém
vivia com ele. Não tinha mulher. Não tinha filho, nenhum parente ele
tinha. Era só. Um dia ele fez uma concha virar mulher e casou com ela.
Quando o filho nasceu, perguntou para a esposa: É homem ou mulher? é
homem. Vou levar ele comigo. E foi embora. A mãe do menino chorou e
voltou para a aldeia dela, a lagoa, onde virou concha outra vez. - Nós -
dizem os índios - somos netos do filho de Mavutsinim.
O primeiro Kuarup – a festa dos mortos
O
primeiro Kuarup, a festa dos mortos (Kamaiurá) Mavultsinim queria que
os seus mortos voltassem à vida. Foi para o mato, cortou três toros da
madeira de kuarup, levou para a aldeia e os pintou. Depois de pintar,
adornou os paus com penachos, colares, fios de algodão e braçadeiras de
penas de arara. Feito isso, mavutsinim mandou que fincassem os paus na
praça da aldeia, chamando em seguida o sapo cururu e a cutia (dois de
cada), para cantar junto dos Kuarup. Na mesma ocasião levou para o meio
da aldeia, peixes e beijus para serem distribuídos entre o seu pessoal.
Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão direita,
cantavam sem cessar em frente dos kuarup, chamando-os à vida. Os homens
da aldeia perguntavam a Mavutsinim se os paus iam mesmo se transformar
em gente, ou se continuariam sempre de madeira com eram. Mavutsinim
respondia que não, que os paus de kuarup iam se transformar em gente,
andar como gente e viver como gente vive.
Depois de comer os peixes, o pessoal começou a se pintar, e a dar
gritos enquanto fazia isso. Todos gritavam,. Só os maracá-êp é que
cantavam. No meio do dia terminaram os cantos. O pessoal, então, quis
chorar os kuarup, que representavam os seus mortos, mas Mavutsinim não
permitiu, dizendo que eles, os kuarup, iam virar gente, e por isso não
podiam ser chorados. Na manhã do segundo dia Mavutsinim não deixou que o
pessoal visse os kuarup. "Ninguém pode ver" - dizia ele. A todo
momento Mavutsinim repetia isso. O pessoal tinha que esperar. No meio
da noite desse segundo dia os toros de pau começaram a se mexer um
pouco. Os cintos de fios de algodão e as braçadeiras de penas tremiam
também. As penas mexiam como se tivessem sendo sacudidas pelo vento.
Os
paus estavam querendo transformar-se em gente. Mavutsinim continuava
recomendando ao pessoal para que não olhasse. Era preciso esperar. Os
cantadores - os cururus e as cutias - quando os kuarup começaram, a dar
sinal de vida cantaram para que se fossem banhar logo que vivessem. Os
troncos se mexiam para sair dos buracos onde estavam plantados,
queriam sair para fora. Quando o dia principiou a clarear, os kuarup do
meio para cima já estavam tomando forma de gente, aparecendo os
braços, o peito e a cabeça. A metade de baixo continuava pau ainda.
Mavutsinim continuava pedindo que esperassem, que não fossem ver.
"Espera... espera... espera" - dizia sem parar.
O sol começava a nascer. Os cantadores não paravam de cantar,. Os
braços dos kuarup estavam crescendo. Uma das pernas já tinha criado
carne. A outra continuava pau ainda. No meio do dia os paus começavam a
virar gente de verdade. Todos se mexiam dentro dos buracos, já mais
gente do que madeira. Mavutsinim mandou fechar todas as portas., só ele
ficou de fora, junto dos kuarup. Só ele podia vê-los, ninguém mais.
Quando estava quase completa a transformação de pau para gente,
Mavutsinim mandou que o pessoal saisse das casas para gritar, fazer
barulho, promover alegria, rir alto junto dos kuarup. O pessoal, então,
começou a sair de dentro das casas. Mavutsinim recomendava que não
saíssem aqueles que durante a noite tiveram relação sexual com as
mulheres.
Um,
apenas, tinha tido relações. Este ficou dentro da casa. Mas não
aguentando a curiosidade, saiu depois. NO mesmo instante, os kuarup
pararam de se mexer e voltaram a ser pau outra vez. Mavutsinim ficou
bravo com o moço que não atendeu à sua ordem. Zangou muito, dizendo: - O
que eu queria era fazer os mortos viverem de novo. Se o que deitou com
mulher não tivesse saído de casa, os kuarup teriam virado gente, os
mortos voltariam a viver toda vez que se fizesse kuarup. Mavutsinim,
depois de zagar, sentenciou: - Está bem. Agora vai ser sempre assim. Os
mortos não reviverão mais quando se fizer kuarup. Agora vai ser só
festa. Mavutsinim depois mandou que retirassem dos buracos os toros de
kuarup. O pessoal quis tirar os enfeites, mas Mavutsinim não deixou.
"Tem que ficar assim mesmo", disse. E em seguida mandou que os lançassem
na água ou no interior da mata. Não se sabe onde foram largados, mas
estão até hoje lá, no Morená.
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